20/03/2023

Palestra: Um dia na vila medieval de Torres Vedras – Sinais do quotidiano - 16/03/2023

Para esta viagem em busca da Idade Média propusemos uma breve abordagem ao conceito de Tempo, usando a definição do historiador Jacques Le Goff. Nesse sentido relembrámos o tempo dos mosteiros e igrejas, regulamentando o trabalho e as orações dos seus membros, pelas horas canónicas. Também referimos o tempo dos camponeses, no seu ritmo sazonal, bem como os tempos urbanos – dos mercadores, mensurável, que custava dinheiro e exigia novas disponibilidades técnicas. E assinalámos a passagem do tempo rural ao espaço urbano na realidade transmitida pelos sinos e pela novidade dos relógios mecânicos.

O TEMPO e o ESPAÇO – TORRES VEDRAS em 1381
Hipotética imagem da vila medieval de Torres Vedras – sugestão de José Pedro Sobreiro

Propusemos, então uma visita à vila medieval de Torres Vedras em 1381. Socorremo-nos de uma fonte escrita – o Liuro dos dous soldos dos bojs – existente no ANTT, Colegiada de Santa Maria do Castelo de Torres Vedras, maço 27, doc. 5, que nos permitiu referir alguns dos espaços sugeridos pela toponímia. Fomos lembrando, na toponímia actual, as memórias desse período medievo através das profissões dos oleiros na rua da Olaria, dos hortelãos nas almuinhas de Carcavelos, dos curtidores e surradores nos Pelames.

Revisitámos, no coração da urbe, o bairro da Judiaria, com as suas singularidades, e a presença de, pelo menos, vinte e cinco famílias judaicas com o seu contributo diário para a economia da vila, através de profissões como sapateiros, alfaiates, ferreiros, ourives, prestamistas, entre outras. Depois da sua expulsão, em 1497, o espaço seria transformado, adoptando novas designações e conhecendo a presença de moradores cristãos: a rua dos Celeiros de Santa Maria sobrepor-se-ia à antiga rua da Judiaria, por exemplo.

Na praça do Município, com o pelourinho, os sons, as cores dos víveres, trazidos da zona rural, encheriam de vida o dia dos habitantes. Compras e vendas, pregões, discussões, tornariam animado um local bastante concorrido, e onde decerto as mulheres estariam em maioria. Não só como regateiras, mas como donas de sua casa, responsáveis pela alimentação quotidiana. Evocámos então, de forma sucinta, o papel da mulher na época medieval: sempre activa embora nem sempre reconhecida pela sua importância para o contexto sócio-económico de então.


Continuámos o nosso périplo pela vila torriense, quando o dia estava já a caminho do fim.
Na rua da Corredoura, pela porta do mesmo nome, regressavam a casa os camponeses que pela manhã se tinham deslocado às parcelas de terra onde trabalhavam, recolhiam os mercadores que iriam pernoitar na vila, e os miúdos brincavam nas imediações do Chafariz dos Canos, onde as mulheres recolhiam água e tagarelavam sem cessar. Os pedintes ainda ali esperavam alguma esmola dos passantes.

Noite caída, as famílias juntavam-se em volta da lareira para a refeição final. Fechavam-se as portadas de madeira, os tabuleiros dos artesãos já se haviam recolhido até ao dia seguinte. Guardava-se o braseiro com cuidado para evitar fogos. Era preciso retemperar forças pelo sono. Nas quatro matrizes da vila os sinos continuariam a assinalar as horas canónicas, reguladoras da vida dos membros das colegiadas. A segurança era assegurada pelos homens do alcaide, vigiando a vila e evitando que, na rua da mancebia, ainda se demorassem os retardatários, alguns já demasiado avinhados. A vila adormecia…


No final, houve ainda oportunidade, em frutuoso diálogo, com alguns dos presentes, de analisar a importância da preservação da toponímia para a memória colectiva torriense.

Manuela Catarino

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