31/03/2023

Tertúlia a 30 de março de 2023 - Objecto com História Pessoal


Antes de iniciarmos a Tertúlia, tivemos o prazer de desfrutar de uma aula de Biodança com a professora desta disciplina e seus alunos da AUTITV, em que participaram muitos dos inscritos na tertúlia assim como outros alunos que assistiram também à restante sessão.

Membros inscritos na Tertúlia: Maria Parreirinha, Dulce Geraldes, Joaquim Moedas Duarte, Ana Isabel Ladislau, Raúl lRibeiro, Maria João Menezes e Christiane Schikert.

A 1ª oradora, retirou de um sobrescrito a recordação de uma pequeníssima flor seca e descolorida que outrora seria cravo e de cor vermelha, com cerca de quarenta e muitos anos, recordação da boda do seu casamento. Esta relíquia inesquecível do dia desta festa, em que as mesas estavam decoradas com centros de cravos brancos e vermelhos, à volta das quais se reuniram a família, amigos e noivos, sem faltar o bolo de noiva, terminando nos brindes da praxe, marcaram para sempre este evento.

A 2ª oradora descreveu o dia do seu quarto aniversário, cujo o presente dos pais a dislumbraram: um grande mealheiro em forma de palhaço, em plástico de côr amarela, nariz e língua vermelhos.
Quando se carregava num botão, a língua saía da boca. Colocava-se uma moeda e ele engolia-a.
Era tradição da família pô-lo atrás da porta, para que os familiares dessem dinheiro que ia acumulando, servindo o depósito para o futuro dos mais pequenos.
O entusiasmo por esse brinquedo fez com que a contínua brincadeira acabasse nesse próprio dia de o estragar. Com medo que ralhassem com ela, escondeu-o debaixo da cama, negando saber onde se encontrava. Mas depressa o pai o descobriu e aplicou-lhe um castigo.
Até aos dias de hoje, sempre que faz algo que não deve, lembra-se do palhaço.


O 3º orador expôs uma máquina fotográfica Kodak que o pai comprara em 1947. Um “caixote” preto simples de manusear.

As fotos a preto e branco, ainda hoje com bom contraste, permanecem em albuns que ao folheá-los, lembram muitos dos que já partiram, entre eles, seus pais: ”pessoas mais amadas e ausentes para sempre”.


A 4ª oradora apresentou duas formas em metal prateado, com longas pegas em forma de hastes, uma delas já deformada pelos anos.
Foram feitas por um primo do pai e serviam e servem para fazer filhós no Natal que ofereciam à família. A maior, tinha o desenho de uma estrela e a mais pequena de uma flor que servia para aproveitar a massa que sobrava na taça.
Aos 30 anos ficou com as formas, incumbida de continuar este hábito.
Agora, já a filha do meio tem formas parecidas e com a receita confecciona-as também.
Contou-nos que sua neta de 17 anos pediu que lhe escrevesse um livro de receitas tradicionais para poder recriar refeições temáticas
Para terminar a exposição, presenteou-nos com essas deliciosas filhós que nos serviu numa grande caixa de papel.
Fez-se um pequeno intervalo para as saborear.

O 5º orador mostrou-nos uma pedra ou seixo, pintado à mão na escola, por sua filha quando tinha sete anos de idade. Já lá vão cerca de quarenta anos. A imagem da sua alegria e ternura em oferecer ao seu pai este trabalho, marcarão para sempre este elo de amor entre os dois.
É um pisa ou pesa-papéis que está sempre presente na mesa de trabalho, sentindo a sua presença física que tanta falta lhe faz.

A 6ª oradora tirou de um saco muito velhinho, um binóculo bicentenário de ópera para teatro, com pega extensível, retráctil dobrável, de madrepérola e metal dourado. Foi legado por morte de sua tia- bisavó por afinidade, uma senhora castelhana.
Adorava crianças. Proporcionou-lhe idas ao Jardim Zoológico, onde montou num elefante e lanchou bolos e laranjina C. Coisa impensável com seus pais.
No Natal, em casa do seu avô e com o lenço dele, branco e maior do que o dela, fazia dobragens com nós, de onde saía uma velha que simulava falar, um coelhinho que saltava de suas mãos e um palhaço que baixava a cabeça logo que se puxavam as pernas. Uma alegria na sua meninice.
O binóculo, pousado numa prateleira expositora de sua casa, representa permanentemente a figura desta tia tão amada.

A 7ª oradora mostrou-nos uma espécie de relógio de bolso para homens, bastante maior e em metal prateado, fabricado há cerca de 100 anos na Alemanha. Era um “contador de vidas”. Carregava-se num botão que ia marcando no visor unidade por unidade. Hoje em dia, um instrumento obsoleto.
Pertenceu a seu irmão mais velho, quando ambos trabalhavam numa agência de viagens. Contava os passageiros que chegavam para serem transportados pela agência: partidas ou chegadas de combóio, autocarros, barcos ou outro meio de transporte.
Depois da 1ª Guerra mundial, serviu para contar os turistas alemães que montados num burro, iam descobrir a Serra da Arrábida e Azeitão.
Nos anos sessenta, os portugueses mais carenciados, partiam de Santa Apolónia, com um magro farnel para dois dias, deixando para trás, na maioria dos casos, os mais velhos, as mulheres e os filhos. Partiam para alguns países da Europa, com seus trajes escuros e pobres, à procura de melhor vida.
Lá estava o contador de vidas a fazer o seu papel.
Em 1965, no Cais de Alcântara, chegou um cruzeiro polaco de onde desembarcaram turistas para fazerem um passeio de autocarro a Alcobaça e Batalha. O regime de ditadura e ateu, não permitia trazer dinheiro português. Como os passageiros eram católicos, pediram em segredo para trocar o passeio para Fátima. Era mais caro, e às 7,30 h da manhã embaraçou a nossa oradora, como agente de viagens. Mesmo assim, resolveu telefonar ao dono da agência, relatando o sucedido. Prontamente, e com “um belo gesto de eucumenismo”, concordou com o desvio do percurso a seu encargo, e desta forma os agentes da polícia política do cruzeiro, nada souberam. Foi uma alegria para todos: de um lado e do outro.
Muito mais histórias poderia relatar este contador de vidas.

Assistiram a esta Tertúlia, outros alunos da universidade, três dos quais participaram informalmente. 


Por fim, festejou-se a data de casamento já muito longa e feliz, do nosso professor de fotografia, sr. Lourenço que teve direito a brinde com vinho do Porto, na companhia da sua mulher.



Foi uma actividade conseguida e uma tarde bem passada.

Maria João Menezes

1 comentário:

Anónimo disse...

Um texto bem ilustrativo do que foi esta Tertulia.
Texto muito bem escrito em que os aspectos fundamentais estao descritos com a simplicidade que só as coisas belas têm. Obrigado!